25 março 2011

Pannjo, the Bartender - #5

Ainda estava a dormir. Clarice entrou. A porta acordou-me. Ela tem a chave e aparece quando precisa. Quando lhe apetece. Três e meia da manhã. Fui a mala tirar as cordas. Ficou nua. Amarrei-lhe as mãos e desci até aos tornozelos. Outro nó. As mãos e os braços atrás das costas. As pernas flectidas para trás. Estava deitada na cama. Levantei-a e, deitei-a no chão frio de tábuas de madeira envernizada. Coloquei-lhe uma venda de seda branca. As luzes estavam todas apagadas. Todas, excepto uma. De cor purpura. A pele dela resplandecia de tons purpura, claros e escuros. Sombras no corpo dela. Estava imóvel. Não se mexia. Coloquei a mascara de Vendetta. Vesti as calças de cabedal pretas, descalço. Olhei para o espelho. Como queria estar. Ela continuava amarrada, para sua felicidade. Nem um som, uma palavra. Acendi um cigarro. Sentei-me numa cadeira. Olhava para ela, ali deitada. Ela não me olhava, mas sentia-me. Sentia-me, só como eu faço sentir. Era isso que ela buscava. Ela sabia. Completamente indefesa, diante de um ser capaz de matar. Nunca lhe falei das minhas mortes. Mas ela sentia isso em mim. E desejava sentir essa adrenalina, de não saber se iria morrer. Por isso ela volta. Para sentir. O que só eu a fazia sentir. Viva. E eu morto por dentro, fazia o que devia fazer. Agarrei nas cordas e puxei, até ela gemer de dor. Ela não gritava. Nunca gritou. Porque não o fazia, não sei. Talvez nunca o saiba. Nunca lhe irei perguntar. Falamos pouco.
Abri uma garrafa de Amaretto, e despejei-a pelo seu corpo. Tirei-lhe as cordas. Estavam marcadas no corpo dela. Vestiu-se. Olhou-me e colocou os olhos no chão. Nos meus pés. Foi-se embora, quase que nascia o sol. Tirei a máscara. Deitei-me de novo. Novamente a mesma imagem da janela. Tentava ver a Clarice, por ela. Imaginar o que sentia. O que realmente sentia. Parei de pensar, quando realizei que olhava uma parede cinzenta e escura.

19 março 2011

Pannjo, the Bartender - #4

Segundo dia de jejum. Fome. Levanto-me da cama. Parece que sonhei com alguém. Vou até a cozinha e agarro numa faca pequena, afiada. Visto o meu fato de treino e os ténis. A gabardina cinzenta, e ponho os óculos escuros. Subo as escadas que dão para as traseiras. O sol quase que aparece. Cheira a humidade. Apetece-me matar. Pela primeira vez, não é uma coisa natural. Não encontrei ninguém com um x na testa, que me levasse a querer matar. É contra natura, pela primeira vez. Como deixar de viver.Olho para os meus ténis vermelhos que contrastam no preto do alcatrão da estrada. Custaria matar alguém assim sem marcação? Um cão passava por mim. Chamei-o. Cortei-lhe a garganta, depois de duas festas na cabeça, Nunca tinha morto um animal irracional. Próximo passo. Um ser humano. Nesta cidade não é difícil encontrar alguém para esfaquear. O problema seriam as testemunhas. Onde é que poderia ter um pouco de privacidade, para matar alguém? Passava por um clube de strip, entrei. Paguei uma cabina. Ela estava completamente nua. Tinha a cona rapada. Morena. Ainda se viam as marcas do bikini. Os mamilos eram carnudos e cor de rosa. Tinha um cabelo dourado, preso atrás. Ondulava a minha frente. Olhava para os seus pés. As unhas pintadas de vermelho. Os saltos altos deixavam marcas na alcatifa. Tocava-me com as mãos, roçava-se em mim. Desejava-a. Estava cheio de tesão que quase me vinha. Sentou-se em cima de mim. cravei-lhe a faca directamente no coração. Não olhou para mim. Estava morta. Não senti nada. Fui embora. Sentia-me nas nuvens. Fui para casa. Não fui trabalhar. Ser dono de um bar tem coisas boas e coisas más. No meu caso mais boas do que más.
Estou em casa. Na casa sem janelas. Sem tempo. Só o espaço. O tempo só o vejo pelos meus olhos. E não sei se esse tempo é real. Há outros tempos? Eu sou o meu espaço. Nada mais é real.

12 março 2011

Pannjo, the Bartender - #3

Levantei-me cedo. O sol nascia. Fui até a igreja. Ouvi a missa. O Padre, falou de nosso Senhor. De um episódio em particular. Das Bodas de Canã. O primeiro sinal, de Jesus como filho de Deus. Transformou água em vinho, quando este tinha acabado. E a oratória seguiu para os princípios do casamento e da unidade da família. Há coisas que me ultrapassam a compreensão, mas eu creio. Creio Nele. Acabou a missa. A igreja estava fria. Como todas as igrejas são. E tem que ser. Tempo de me confessar. O Padre é sempre o mesmo. As penitências e as confissões, as mesmas também. Já não me confessava a três meses. Duas mortes. Não comer durante dois dias e rezar uma hora por dia,ao deitar. Jejuar já não é segredo para mim. Tenho uma maior perspectiva da minha realidade. Da minha consciência e dos meus pecados. As mortes. Ontem sucedeu-me uma coisa curiosa. Estava sozinho em casa. Acabara de rezar. Perto de uma das janelas, uma sombra, longe. Ouvi uma voz. Essa voz falou: "Virei todos os dias, antes de te deitares. Eu sou Klalk. Não me perguntes quem sou, de onde venho ou o que sou. Deixa-me apenas ajudar-te." E da mesma maneira que apareceu, desapareceu. Comecei a pensar nas pessoas que matei. Quem poderá ser? Eu sou um caso clínico, de diversas doenças psiquiátricas. Telefonei para o meu psiquiatra. Uma alucinação disse. Pode ser. O primeiro dia de jejum. Pode ser. Imaginação de uma cabeça cansada de matar, e por consequência de viver. Deito-me na cama bêbedo de fome. Penso que estou a ficar louco. Penso nas pessoas que matei. Penso sempre que me deito. Olho para a janela. Da cama só vejo o céu. A janela que não existe.

Cosmic Journeys - Qual o Tamanho do Universo?


John Lennon - Imagine

09 março 2011

O comentário anónimo, esse grande maluco!

Ora que recebi um comentário anónimo. Foi deixado no post que escrevi, "O verdadeiro idiota". Tenho que ir fazer copy paste... Ora aqui está: "Eu não diria estranho mas sim desinteressante. E já é dizer muito."
Vamos analisar o comentário. Tipo dissecar uma rã. Reparei que começa por um "eu". Esse eu, faz com que o comentário passe a ter um certo interesse. Poderia o comentário omitir o eu. Mas não era a mesma coisa. Deve ter pensado o anónimo, vou escrever sem dizer quem eu sou, mas eu existo! Sou eu o anónimo que está a escrever. Segue-se o incontornável, "não diria estranho". Das duas uma. Se não diria, para que dizer? Ah! Já sei, foi porque eu o disse. Ou então até está de acordo comigo, sou estranho, mas isso é pouco, pensou o anónimo. O anónimo faz aqui uma análise do que escrevi. Escreve, a terminar a primeira frase, "mas sim desinteressante." Eu sou desinteressante. Ora aqui está uma opinião, que só peca por ter sido escrita ao abrigo do anonimato. Se não o fosse, o "eu" inicial teria sentido. E por fim a útima frase, a piece de resistance. "E já é dizer muito.". Agora temos várias opções. Acabaram-se os adjectivos? Ou será que não? Parece-me que não. Cheira-me. Aqui, o anónimo tenta fazer uma lavagem cerebral a ele próprio. Pensou, que não disse tudo o que queria dizer. mas vai dize-lo de outra forma. Ora toma! Eu penso mais coisas mas não digo. Ou não vale a pena dizer. Ou não interessa. Só o anónimo poderá dizer.
Tenho a agradecer o comentário ao anónimo, seja ele, do género masculino ou feminino, Fez-me rir bastante, depois de ter tentado perceber, quem se daria ao trabalho de me dizer alguma coisa anonimamente. Se não me conhece pessoalmente, não é pelo que escrevo no blog que me vai conhecer. E se me conhece pessoalmente, não conhece o suficiente. Em qualquer das situações, existe uma insuficiência. De conhecimento. 
Até apetece dizer... Get a life!

02 março 2011

Pannjo, the Bartender - #2

Os copos são os mesmos, as luzes, as cadeiras. A bebedeira começa. Todos os que entram no bar entram para beber e para arranjar uma melhor companhia do que tinham quando entraram. Nem que seja a deles mesmos, já bêbedos. E porquê, pergunto eu, não consigo ser como eles? Não sei. E como sou diferente dou por mim a tentar não pensar neles. Tenho aquela mania de matar. Hoje matei uma pessoa. Vou começar pelo principio. O bar estava cheio de gente. Deviam ser umas dez para as três da manhã. Tinha ido fumar um cigarro nas traseiras do bar. Para um carro perto de mim. O vidro abre-se. Um homem. A testa dele tinha um X marcado. Eu já nem tento perceber. Há bastante tempo que deixei de o fazer. Ele pediu-me um cigarro e lume. A noite estava escura. Sem as luzes da cidade lá ao longe. Sem lua cheia para a iluminar. Um murro bem assente. Desmaiou. conduzi o carro até a beira do rio. Vinte quilómetros. E agora? Uma dúvida que sempre tenho quando vou matar alguém. Como o fazer. O tipo ainda estava desmaiado. E eu com pouco tempo. E sem como voltar ao bar. Mas isso nem me passou pela cabeça. Ok, vou incendiar o carro. Fácil. Dei-lhe o cigarro e lume. Explodiu. Ver um carro explodir e todo aquele fogo foi uma nova experiência. Não costumo usar métodos "normais" para matar pessoas. Um dia conto. Regressar. Apanhei boleia de um camionista que vinha de este. Estava feito. menos um X. A noite continuou, como sempre. As mesmas putas, os chulos, as virgens e os cornos. As mesmas bebidas. A mesma conversa de sempre. Mas a minha mente estava na beira do rio. No carro em chamas numa noite fria e escura.
Costumo ficar com uma recordação de cada pessoa que mato. Gosto de me lembrar fisicamente deles. Uma ironia. Deste último fiquei com um CD que tinha no carro. A música era a mesma de quando o vidro se abriu, e o vi. "Always on my Mind" do Elvis. E agora que estou em casa, com uma cerveja na mão, ouço essa música. O escuro acalma-me. Esta música também. No total já matei 324 pessoas. Espero um dia encontrar a razão. De manhã tenho que me ir confessar. Sim sou um homem de fé. Acredito em Deus. E no entanto cometo o mais vil pecado mortal. Quem sou eu? Pannjo. Raakesh Pannjo.